domingo, 26 de julho de 2009

Pontos e Processos

Num primeiro momento, discutimos sobre a Boa Nova do Cristo - segundo João - e as implicações decorrentes de suas traduções várias. Em um instante segundo, falamos sobre Heidegger e - mais uma vez - sobre traduções. Com este post, viso criar uma terceira imagem para bem fechar nosso colóquio. Poderia até dizer que os três artigos criam uma única e mesma imagem, devendo ser lidos numa única torrente de pensamento.
Agora, pensemos não só em João ou em Heidegger, mas em todo e qualquer objeto de pensamento que se nos afigure em nossa alma. Fórmulas, pinturas, orações, sistemas, melodias, brasões, mapas, balés, ritos... Qualquer conceito científico-filosófico, qualquer produto poético-artístico, qualquer dito metafísico-teológico. Resumindo: qualquer coisa que se manifeste enquanto uma coisa! Um ente-imagem! Um conceito manipulável! Mas o conceito, enquanto categoria espacializada, é apenas uma organização arbitrária dum fluxo caótico, uma parada no fluxo do tempo, a ponta do processo. Pedirei emprestada, agora, uma metáfora do mirífico Schopenhauer para bem ilustar nosso texto-imagem.
Um acadêmico, ao registrar uma obra qualquer, passou por afetos e sentimentos muitos que não sobressaem na palavra escrita. Leu isto e aquilo, conversou com Fulano e Sicrano, descobriu algumas coisas e se confundiu com algumas outras. E tudo isto resulta numa obra! Suas experiências podem ser pareadas com um suculento banquete: frutas, carnes, sucos, vinhos e - claro - boa companhia. É por esta situação que um cientista, um artista, um místico ou um filósofo passam quando estão a produzir. Eles saboreiam! E o que a nós resulta é, tão somente, a "obra" depois do jantar. O cocô morto e inerte que, com muita pompa e orgulho, manipulamos, cheios de vaidades e arrogâncias.
E é nisto que poderíamos resumir todos as nossas filosofias, todas as nossas sinfonias, todos os nossos ritualismos, toda a nossa ciência e sapiência. Tudo é merda!!! Conhecer bem as "obras" de Platão e Bergson, Beethoven e Baden Powell, Jesus de Nazaré e Mahatma Gandi é apenas assumir-se possuidor de diversos cocôs! Somos escatologistas especializados! Por mais saborosos os alimentos consumidos, por mais saudável a dieta à mesa, por mais agradáveis as pessoas a dividirem o pão, tudo o que nós consumimos é o produto final de alguém que resolveu "obrar".
Mas apontar a natureza baixa de todos os nossos produtos conceituais não implica que devamos nos livrar de nossas obras - passadas e porvindouras - para todo o sempre. Estou apenas sugerindo que olhemos para as alturas. Esta metáfora do Schopenhauer, por exemplo. Ele a escreveu no gigantesco Parerga e Paraliponema, que foi editado e traduzido - aqui no Brasil - numa pequena coletânea de textos entitulada A Arte de Escrever, cujo volume foi comprado e lido por um amigo meu que, posteriormente, comentou-a comigo. Apenas um pequeno coliforme deve ter chegado a mim: este é o pensamento ao qual somos tentados a assumir. Se ele é verdadeiro!? Sim e não! Vejamos.
Estou estudando, de forma auto-didática, o idioma alemão. E muitos são os que se espantam quando o descobrem, geralmente por terceiros que aumentam ainda mais a importância do fenômeno. Mas imaginemos que este que vos fala seja, neste exato momento, transportado magicamente à Alemanha. Meu ridículo, grosseiro e teórico conhecimento da língua germânica de nada me servirá! E mesmo que eu consiga dominar o deutsch com fluidez e maestria antes do teleporte, este conhecimento em nada me diferenciará dos demais! Um saber que, de tão banal, nem seria considerado como saber por outrem.
O que não quer dizer, obviamente, que meu alemão seja inútil. E é este o ponto a ser apontado em nossa discussão. Aprender sobre platonismo, sinfonias românticas, cristianismo essênio, termodinâmica, estatuaria helenística, budismo tibetano ou qualquer outra merda não é, de todo,
um ofício vazio. Todos estes pontos não querem ser um em-si a nos glorificar diante dos homens. Os pontos querem ser ligados!
Aprender coisas e mais coisas, saberes e mais saberes, merdas e mais merdas, é como aprender um idioma! Tanto nos possibilita a comunicação com um sujeito outro quanto nos mostra uma nova forma de encarar as coisas mesmas. Aprender coisas, quaisquer que sejam, só nos é interessante quando nos dá aquele toque no espírito, um frio na espinha, uma sensação de ser lançado no desconhecido. A imagem, a palavra e o conceito são apenas obras. São pontos finais. Mas pontos que querem, em nós, desencadear processos originais. A imagem quer virar imaginação; a palavra, ação; e o conceito, afeto. O que a prosa deseja é ser um pouco mais de poesia...

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